Escrito por Ana Paula Caldas (Neonatologista em Campinas/SP)
Após 9 meses, aproximadamente 280 dias, 40 semanas ou 9 luas o bebê
finalmente está pronto para nascer. O feto, completamente formado desde
as 12 semanas, levou todo este tempo para crescer e amadurecer dentro do
útero. No final da gravidez ele dá sinais que está maduro e inicia-se o
trabalho de parto. Sua circulação é inundada de hormônios que sinalizam
o nascimento iminente. As contrações uterinas massageiam o seu corpinho
e dão a noção do ritmo. Finalmente, a passagem pelo estreito canal de
parto comprime o tórax do bebê, auxiliando na saída do líquido amniótico
presente em seus pulmões, boca e narinas. O bebê nasce, e enquanto
permanece ligado à placenta pelo cordão umbilical que pulsa não há
pressa em respirar. Nos braços da mãe, ele conhece o novo espaço,
espirra, tosse e finalmente respira. Às vezes chora vigorosamente, às
vezes apenas resmunga. Em alguns minutos, os pulmões expandem, a
circulação fetal deixa de existir e a placenta não é mais necessária. O
cordão umbilical para de pulsar e pode ser cortado. Enquanto isso, mãe e
filho se reconhecem, trocam cheiros, o som do coração da mãe acalma o
bebê, que lentamente começa a procurar o seio. Depois de mamar, o bebê
adormece e descansa por um longo período, se recuperando dessa grande
jornada.
A sequência descrita acima foi planejada pela natureza ao, longo de milhares de anos de evolução.
Infelizmente, este processo fisiológico não é respeitado na maioria
das maternidades brasileiras. Aproximadamente 40 % dos bebês da rede
pública e 80% da rede privada nascem através de cesariana. Grande parte
deste número – principalmente na rede privada- correspondem 'as
cesarianas eletivas (aquela marcada por conveniência do médico ou da
mulher ). Nestes casos, o bebê não sabe que vai nascer. Não foi avisado
pelo trabalho de parto, não recebeu os hormônios necessários, não sentiu
o ritmo das contrações nem passou pelo canal de parto. Frequentemente
estava dormindo no momento do nascimento. Tem que passar de feto a gente
que respira em segundos. Seus pulmões, boca e nariz estão cheios de
líquido amniótico. Só resta ao bebê aterrorizado a opção de chorar para
expandir os pulmões e concluir à força o processo de transição.
A criança é levada a um berço aquecido, onde é vigorosamente
enxugada. Geralmente o pediatra introduz uma sonda em sua boca e narinas
para aspirar as secreções. A criança é pesada, medida, classificada e
identificada. Rapidamente é apresentada à mãe, que não pode segurá-lo
porque tem as mãos presas na mesa cirúrgica.
O bebê então é levado ao berçário, onde é colocado em um berço
aquecido, observado pela família através de um vidro. Ali ele recebe um
colírio de nitrato de prata, cujo objetivo é prevenir uma eventual
conjuntivite pela bactéria causadora da gonorréia. É provável que suas
pálpebras fiquem inchadas e doloridas em consequência do colírio. Ele
recebe ainda uma injeção intramuscular de vitamina K, medicação usada
para prevenir um distúrbio de coagulação.
Através do vidro do berçário observamos o recém nascido, sozinho no
berço aquecido. A agressão sensorial foi tamanha que muitos dormem,
exauridos. Outros choram e se debatem, observados pela família
orgulhosa..
Algumas horas depois, o banho. O recém nascido é lavado com água
morna, na banheira ou sob a torneira da pia. É preciso lavá-lo e remover
qualquer vestígio de sangue ou vérnix. É necessário que ninguém perceba
que o bebê nasceu de um útero, lugar cheio de mistérios. A criança é
vestida e finalmente será amamentada.
A mãe recebe o pequeno estranho... que sequer viu nascer através dos
panos estéreis da cirurgia. O pequeno estranho não tem seu cheiro, aliás
cheira a algum produto químico. O pequeno estranho está sonolento,
porque durante o período fisiológico de vigília estava no berçário.
Depois de algum esforço, afinal consegue mamar. A natureza felizmente
continua sábia e é através da amamentação que a mãe e o pequeno estranho
vão enfim criar vínculos.
É assustador!Eu eu é que não quero que meu bebe fique longe de mim depois do nascimento, nenhum minuto.
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